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Player Of the Caribbean
Subtitle: The Cure.
Autora: Ally Gonsalvez
Guia de personagens
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*****A única sobrevivente do maior desastre marítimo da história da Americana, anunciava os jornais ao redor do mundo. Cerca de quinhentos passageiros, tendo em sua maioria homens, e somente uma jovem magricela se salvara. Mas, como isso fora possível? Se questionavam dezenas de pessoas. Realmente, parecia coisa de filme. Ninguém tinha uma resposta ao enigma. Força divina, alguns arriscavam. Ela, por outro lado, dizia apenas força do acaso. Não conseguiu sozinha, teve ajuda. Se lembrava disso. Agora, quem, como e porquê... por mais que obrigasse seu cérebro a lhe mostrar, tudo que via era um enorme borrão onde deveria estar um rosto. Simples assim. Ela não saberia. A queriam viva, apenas. Ela? Bom. Ela apenas queria ter falecido junto a seus familiares e suas melhores amigas. Não era pedir muito, era?
*****Que faria a partir de agora? O padrasto, a mãe, a irmã caçula, todos se foram, enquanto ela permaneceu no inferno. Também conhecido como Planeta Terra. Estaria sozinha dali em diante. O pai jamais entrara em contato, o conhecia apenas pela fotografia velha, amassada e rasgada sobre a cabeceira da cama. Inúmeras foram as vezes que sua mãe tentara jogar fora, ela dizia não. Tudo que lhe restava era uma tia e uma prima que mal conhecia. Aliás, ela não fazia parte daquela família, uma vez que era irmã de seu padrasto. Mas agradeceu o convite, iria se mudar.
*****O medo ainda a aterrorizava. Dia após dia, noite após noite. Medo de quê? Da vida. O ciclo natural de sua existência fora bruscamente interrompido. Ela devia ter morrido naquele acidente, era seu destino. E de uma coisa ela sabia: mais cedo ou mais tarde, a morte iria lhe procurar.

*****Lágrimas. lacrava a última caixa, decretando oficialmente que estava de mudanças. Passaria a morar em uma cidade enorme na famosa Inglaterra, Londres, a milhas dali, com familiares que ela nem ao menos conhecia. Era assustador. Empacotava lembranças de um passado que não voltaria, deixando para trás momentos que tivera ali, seja de sofrimento, seja de alegria; apenas recordações que levaria para toda a vida. O olhar abatido percorreu todo o quarto até que, por fim, viu-se perdida nas paredes esverdeadas que guardavam dezenas de segredos. Ah, se elas falassem... precisaria ser forte para encarar a nova etapa que se iniciava em sua trajetória. Não seria fácil, ela sabia. Estaria sozinha dali em diante, quer esteja, ou não, pronta. Estava apavorada e a sensação de vazio não a abandonava um só minuto. O coração ferido batia em seu peito, ansiando pelo carinho materno que jamais teria novamente. E o pânico tomou conta de si ao perceber que também perdera a caçula, não a veria novamente tentando lhe espionar enquanto falava ao telefone com as amigas que também perderia. não era mais a irmã que cozinhava biscoitos. Era apenas... . . E então, com um baque oco no piso de madeira, deixou-se cair de joelhos, rendida ao choro doloroso. Abraçava desesperadamente a boneca de pano, antes pertencente à irmã, como se fosse a própria menina. Sentia suas forças esvaírem-se até que o soluço se dissipou. Silêncio.


I
— HAMIRR: DESCOBRI QUE MINHA TIA É UMA BRUXA —

Mooresville, North Carolina. USA
*****Veja bem, eu não queria estar aqui, okay? Quem iria? Um louco, talvez. No entanto, até mesmo os loucos têm lá seus momentos de sanides. Enfim, simplesmente não pude escolher. Você precisa entender que a vida não é o parque de diversões que imagina, antes que seja tarde demais. Cruel e impiedosa, é questão de tempo até tirar, um a um, todos a quem você ama. Tudo bem se não quiser acreditar, eu também não acreditaria. Mas aconteceu comigo, aconteceu com o meu vizinho, aconteceu com dezenas de pessoas que perderam suas famílias naquele naufrágio. Onde estou? Vamos lá, você sabe. Exato, em um enorme memorial.
*****A propósito, me chamo Hamirr Woicievsky.

*****—...eram pais, mães, irmãos, amigos, vizinhos e até meros conhecidos. Pessoas que se foram cedo demais, pessoas que deixarão saudades e um vazio em nosso peito.
*****Palavras confortantes, oferecia um ombro amigo. Eu, como filho do comandante, proferia um belíssimo discurso com Shmull, meu irmão de sete anos, agarrado à minha cintura. Porém eu me pergunto, que são palavras bonitas diante a dor que estavam sentindo? Minha voz era trêmula, logo falharia, sei disso. Minha visão começou a embaçar e arder, enquanto meu nariz fungava mais que o normal. Como posso fingir ser forte em meio a tantas pessoas chorando, quando eu mesmo não aguento mais? Uma missão quase impossível, eu digo. Mas, ainda assim, não desisti.
*****— Dias melhores estão por vir, era o que meu pai dizia todas as noites antes que eu adormecesse. Tudo que me resta é acreditar em suas palavras.
*****E então, calei-me. Os números de mortos beiravam os quinhentos e quarenta e cinco, observei no bloco de notas deixado sobre a mesa, enquanto acariciava os cabelos de Shmull, que chorava. Na verdade, era uma listagem contendo os passageiros, todos com um risco e, alguns, com um O.K ao lado indicando que o corpo fora encontrado. Analisei toda a lista, respeitaram meu silêncio. Centro e trinta corpos não encontrados, li em uma pequena anotação no rodapé de uma das páginas.
*****Não sabia mais o que dizer, meu pai havia comandado aquele navio e, por mais que eu não concorde, fora indicado como o culpado. Tolice, meu pai tinha experiência o suficiente. Era quase um insulto. Tinha algo errado. Tinha algo muito errado. Olhei para aquelas pessoas, olhares avermelhados, rostos abatidos. Nenhuma palavra seria consoladora o suficiente para eliminar o sofrimento de cada mãe que perdera o filho, cada homem e mulher que perdera o companheiro, cada filho que perdera os pais... famílias inteiras destruídas. Era demais para meu subconsciente.
*****— Eu, ummm... eu não consigo, me desculpe. — visivelmente abalado, entreguei o microfone.

*****Sentado ao lado de meu irmão, que choramingava debruçado em meu colo, continuava a analisar a lista. E lá estava o nome de meu pai, no topo. Peter David Leonard Woicievsky. Riscado? Sim. Com um O.K? Infelizmente não. Naquela viagem, seria a primeira vez que exerceria o papel de capitão, desde que abandonara a antiga profissão de químico por conta de contendas com o ex-amigo, que ele insistia em dizer que era um irmão do peito. Eu ainda acho que meu pai deveria revisar seus conceitos sobre o que a palavra irmão significa.
*****Ambos tinham visões diferentes sobre o mundo, meu pai disse a mim quando finalmente criei coragem para perguntar quem era Erik Bianchi. Não demorou para que seguissem caminhos opostos. Bom, isso foi há muito tempo, antes mesmo de eu nascer. Tudo que sei, é que Erik seguiu um caminho obscuro, e meu pai ainda mantém mágoas, apesar de negar. Hora da confissão. Não consigo descartar a possibilidade de que esse acidente tenha sido uma armadilha. Quer dizer, foi estranho. Não. Estranho não. Suspeito. Onde estava a base de comando enquanto dois navios seguiam na mesma direção? Como eu disse, não faz sentido.
*****Olhei para meu irmão e foi como uma facada no peito. Com a cabeça deitada em minhas pernas, soluçava, esfregando as vistas. Pareceu tão frágil. Shmull talvez não tenha maturidade necessária para compreender o quão devastador fora o acidente, mas, uma coisa ele entendia: de alguma maneira havia perdido o pai, exatamente como perdera a mãe um dia. É, nunca simpatizei com minha madrasta. Ela gostava de comida caseira e eu estava mais para pizza todos os dias. Ela tinha o dom para artes, eu tinha o dom para destruição. Éramos diferentes. Não incompatíveis, apenas diferentes. É inevitável a falta que ela faz. E desde que se fora, Shmull não pronunciou uma única palavra. Não importa a quantos especialistas eu o leve, simplesmente não queria falar.
*****Desanimado, virei a página.

***********Bruce Richard Bones************Ok
***********Karin Elizabeth Bones******Ok
*********** Emmanuelle ******SOBREVIVENTE
***********Benneci Emmelline Bones*********Não encontrado

*****"O quê?", pensei ao sacudir a cabeça, esfregando as vistas com as costas das mãos. Enlouqueci. Ou, no mínimo, estou tendo alucinações. O que não é muito diferente. Olhei novamente e, para meu espanto, lá estava o nome de . Intacto. A palavra sobrevivente ao lado. Bom, ao menos não fora uma brincadeira de mal gosto dos jornais, de fato uma menina sobrevivera ao naufrágio. Primeiro senti pena, a lista informava que tida sua família havia falecido. Por mais eu negasse, no fundo, sentia a mesma dor. Solidão, o medo de estar sozinho e não saber por onde começar. Como encarregar uma simples formiga de construir todo um formigueiro? Era exatamente assim que nos sentíamos, fadados ao fracasso.
*****Depois de um tempo, ocorreu-me a ideia de que, talvez, ela pudesse me dizer o que aconteceu naquela noite. Aquilo que os jornais não informavam. Posso sim estar parecendo um idiota obcecado, mas não posso aceitar que meu pai seja o culpado. E só descansarei quando encontrar uma resposta satisfatória a todas as minhas perguntas, e para isso precisaria encontrá-la. . . Quem raios é ? Vi-me em um labirinto sem saídas. Como encontrar alguém que nunca vi? Ri de minha própria desgraça. Tudo que posso dizer é que, provavelmente, ela está aqui. Ainda que isso não seja o suficiente para me animar.
*****— Shmull, preciso resolver um assunto muito importante. — disse a meu irmão ao me levantar. Só então reparei uma mulher sentada ao lado, tão ruiva quanto ele — Vá para casa com a tia Daphne, e a obedeça, ok? Amanhã bem cedo eu lhe busco.
*****Provavelmente como você, não sabia da presença de tia Daphne. Ela estava sentada bem ao meu lado, o tempo todo, dá para acreditar? Como, e quando havia chegado? Obviamente estou acostumado com distrações, meu cérebro costuma se desligar, mas, não reparar que minha tia canadense viera me visitar após um ano de sumiço, foi um pouco além do que eu poderia aceitar.
*****Enfim, não consegui ir muito longe. Na verdade, foram apenas quatro passos até que Shmull compreendesse minhas palavras e viesse até mim, abraçando-me pela cintura em um choro silencioso. Não podia culpa-lo, os prometeram um dia voltar para busca-lo, o que nunca aconteceu. Não nego, sinto tanto medo quanto ele. Minha família resumia-se em Shmull, apenas em Shmull. Nada mais, nada menos. Ajoelhei-me de modo que nossas alturas se igualassem e o abracei. Só queria que ele pudesse entender o quão importante era para mim descobrir o que realmente aconteceu.
*****— Eu prometo, Shmull. — disse a ele — Eu prometo que vou lhe buscar.
*****— Sua promessa não valerá nada até que você a cumpra.
*****Estava surpreso, senão abobalhado. Shmull não falava há dois anos, já havia perdido as esperanças. Pensei várias coisas. Primeiro quis apertá-lo e mostrar o quão importante ele era, depois achei melhor só parabeniza-lo, ou então dizer o quão contente havia ficado. Porém, quando me dei conta, Shmull já tinha se soltado de meus braços, sentando ao lado da tia que o abrigou em um abraço acolhedor. Já não chorava. Acabei me esquecendo o quanto ele crescera nos últimos tempos.
*****— Não irá desistir dessa ideia de virar detetive, irá? — perguntou minha tia, acariciando os cabelos arruivados de meu irmão. Sempre fora assim, um amor quando o assunto era Shmull, e um monstro quando era relacionado a mim — Sabe que não dará certo, não sabe?
*****Vamos lá, primeira pergunta: como raios duplos ela sabia o que eu pretendia fazer? Realmente não me lembro de ter dito, mas estou cogitando a ideia de ela ser uma bruxa, ou algo do tipo. Segunda pergunta: porque ela me olha como se me dilacerasse em sua mente? Deus, é assustador, parece que ela quer me carbonizar. Tias são assustadoras, principalmente aquelas com cabelos ruivos, eu juro. Em silêncio, a respondi, balançando a cabeça negativamente.
*****— Se você o decepcionar... — ela disse em uma voz tão severa, com um olhar tão intensamente frio, que cheguei a pensar ser uma ameaça. E era. Minha era um exemplo perfeito de alguém excêntrico.
*****— N-não vou. — gaguejei.
*****— Hn, ok. — ela murmurou, o tom de desconfiança.
*****Eu sabia, ela já havia me colocado permanentemente na posição de culpado. Absolutamente tudo que acontecia, de alguma forma, tinha de ser minha culpa, caso encerrado. Me definia constantemente como um aborto da natureza, eu dizia com frequência que ela era um diabrete de raça maior. Ela me odiava e não fazia questão de esconder. E eu, bom, não fazia por onde de conquista-la. Sempre foi contra o relacionamento dos meus pais, julgava minha mãe como desmerecedora de seu amor. Eu fui o fruto do desgosto. E as coisas pioraram quando, ainda que eu não saiba como, coloquei fogo no seu tapete favorito aos oito anos. Perdão era uma virtude que minha tia não herdara.
*****— Eu vou conseguir, e voltar para busca-lo. — a desafiei.
***Eu havia criado um objetivo para minha vida: sempre voltar para Shmull.

*****Toda desgraça para desobediente é pouca, já dizia meu pai. Perdi a conta de quantas vezes percorri o local do memorial, ninguém se chamava e parecia que jamais ouviram tal nome, simples assim. E no fim, perdi meu tempo com uma bobagem que já sabia que não daria certo. Talvez minha tia tenha razão ao dizer que sou indiscipulado, seja lá o que isso signifique, mas não me parece boa coisa.
*****Deixei-me cair na cadeira mais próxima e então o desânimo fora tomando conta de meu corpo. Estava exausto, não dormia bem há três noites. Para completar, minha paciência se esgotaria logo. Que esperava, afinal? Que a menina pendurasse um cartaz no pescoço escrito "me chamo "? Ri de minha própria idiotice, estapeando-me na testa. Como faria para encontrar um alguém que, visivelmente, não queria ser encontrado? Minha cabeça latejava só de pensar no assunto.
*****— Qual seu interesse em , meu jovem? — bradou uma voz masculina, me assustando.
*****Estava tão absorto em meus pensamentos, tão frustrado com os últimos acontecimentos, tão aborrecido por minha tia ter razão, que não me dei conta de que o local já esvaziara e que começava a anoitecer. Fui extremamente descuidado, sequer ouvi alguém se aproximar. Respirei pausadamente, forçando minha mente a se concentrar em qualquer outra coisa que não fosse minha situação atual: sozinho na presença de um desconhecido.
*****— E então? O gato comeu sua língua? — ele brincou, apesar de que não havia um timbre divertido em sua voz, muito pelo contrário, soava extremamente rude.
*****— Você a conhece?
*****— Não perguntaria sobre estranhos, perguntaria, garoto? — disse o homem, de maneira arrogante — Vamos, diga de uma vez, meu jogo começa em quarenta minutos. Vou me aborrecer se não ver o Chelsea perder e não devorar um x-bacon o mais rápido possível.
*****Mantive o silêncio. Não era implicância, não sou corajoso a esse ponto, apenas não consegui encontrar as palavras certas. Visivelmente impaciente, ele pigarreou tentando chamar minha atenção. O olhei, de certa forma senti medo. Escorado ao tronco da árvore, havia um homem de aparência medonha. Este, que por sinal, me observava de maneira estranha, e então um arrepio repentino percorreu por minha espinha. Talvez eu seja um pouco covarde, mas pensei em correr.
*****Com o anoitecer, refletores eram automaticamente ligados, quase todos em sua direção, ainda que ele não mostrasse estar incomodado. Ao menos permitiu que eu o observasse melhor. Cabelos extremamente pretos e arrepiados para todos os lados faziam um contraste bizarro com sua pele, tão clara quanto seus olhos. Esverdeados, eu acho. Tanto faz. Não sou preconceituoso, mas ele parecia no acento permanente de culpado. Não pelas roupas, um enorme sobretudo, mas sim pelo ar de superioridade que tinha ao sorrir e cruzar os braços, apoiando um dos pés no caule da árvore. E também pela expressão fria que seu olhar transparecia.
*****— Ei garoto, você é surdo?
*****— O que você quer comigo? — eu disse da maneira mais calma que consegui.
*****— Está se fazendo de retardado, ou é falta de cérebro? — ele grunhiu sem paciência ao revirar os olhos. Disse debochadamente: — Dizem que os ruivos são mais burros, parece ser verdade.
*****— Que faz aqui? — repeti.
*****— Esperando que você resolva me responder para que eu possa, finalmente, ir assistir meu futebol na companhia de meu delicioso x-bacon. — ele disse e só então reparei um sotaque diferente, britânico talvez.
*****— Vá embora, me deixe em paz.
*****— Não me faça ser agressivo, criança.
*****— O que eu quero com não lhe diz respeito, diz?!
*****O homem gargalhou, forçadamente, é claro. Apesar de o nervosismo tomar conta de quase todas minhas ações, percebi algumas coisas. Nota de número um: eu acabei de cometer um erro, nunca o desafie. Nota número dois: ele tem um péssimo senso de humor. E, por fim, nota de número três: sua paciência era tão grande quando sua altura. Ou seja? Estou com problemas.
*****— Escute com atenção. — ele disse ao sorrir, cinicamente. Aproximou-se em passos lentos mostrando-se aborrecido. Tinha as mãos nos bolsos em uma postura excêntrica, e parou apenas quando viu-se frente a frente comigo — Se você atrapalhar meus planos, meu rosto será a última coisa que verá na vida. Guarde bem estas palavras.
*****Perguntas. Eu tinha dezenas delas. Tantas eram, que sequer conseguia organizá-las em minha mente de modo que tivesse coerência. Senti minha enxaqueca voltar, obrigado. Eu não conseguia entender. Porque ele estava tão incomodado com o fato de que eu estava atrás de ? Aliás, porque era tão importante? O que planejava a ponto de ameaçar um garoto de dezessete anos? A propósito, como havia descoberto que eu a procurava? Era impossível conter as dúvidas, porém, apenas proferi em um som baixo e embolado:
*****— Quem é você?
*****— Quem sou eu? — o homem riu, como se sua identidade fosse a última das coisas a qual deveria me preocupar. E era, mas o desespero falava por mim — Quem sou eu. — ele repetiu, tornando a rir. Olhou à sua volta, talvez se certificando de que realmente estávamos sozinhos e então prosseguiu — Damen, satisfeito? Posso acabar com sua vida agora mesmo se pisar fora da faixa. Crianças que agem como adultos são tratadas como adultos. Não costumo ser misericordioso, vá para casa, rapaz. Aproveite enquanto há tempo.
*****Em silêncio, coloquei-me de pé. Ainda tinha muitas perguntas, mas nenhuma resposta. Minha cabeça latejava cada vez mais, só queria minha cama e não ter de pensar naquilo até o amanhecer. Iria continuar a procura-la, não acataria ordens de um estranho, mesmo que este tivesse me ameaçado de inúmeras maneiras diferentes. Passo ante passo, me afastei. Era o típico momento em que sua consciência começa a te torturar aos poucos. Estaria meu pai desapontado com o caminho que escolia para mim? Não sei dizer. Shmull seria capaz de me entender um dia? Também não sabia dizer. Só desejava, pelo menos desta vez, que pudesse ouvir as palavras sábias, e confortantes, de minha mãe.
*****— Este acidente vai muito além de sua capacidade de compreensão, Hamirr. Manter-se afastado é o melhor que pode fazer. Você não pode mudar o mundo, mesmo que suas intenções sejam boas. Cuide se seu irmão, como estou cuidando do meu. — Damen disse, honestamente.
*****O olhei, agora surpreso. Suas antigas palavras, agora, pareceram demasiadamente falsas. Não, ele estava enganando a si próprio. Tinha sim misericórdia em seu olhar. Tinha sim piedade em suas ações, ainda que estas estivessem mescladas a dor. Damen me pareceu um cara comum, que assim como eu, tenta lidar com as dificuldades da vida. No entanto eu não me arriscaria.
*****— Não vou desistir até encontrar algo que deixe Shmull feliz novamente, mesmo que eu morra no caminho. Não posso mudar o mundo, você está certo. Mas, posso encontrar uma maneira de fazer meu irmão o enxergar com outros olhos. — disse a ele e podia jurar tê-lo visto sorrir, mas talvez seja o reflexo das luzes que ofuscavam minha visão.
*****Senti-me confuso ao repensar no que havia me dito. Que irmão? Aliás, essa não era a pergunta certa. Como ele sabia meu nome? Tenho a mais plena certeza de que não o dissera. Não tive tempo de perguntar, pois quando me dei conta, quando ergui minha cabeça, vi-me olhando para o nada. Damen já havia desaparecido.


Player Of the Caribbean, The Cure by Ally Gonsalvez.

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